quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Neurogênese


Afinal, quando morre um neurônio, nascem outros?

Resposta: SIM! Isso é chamado de "Neurogênese".

Neurogênese é definida como uma nova geração de neurônios funcionalmente integrados a partir de uma célula neural progenitora (Emsley JG, Mitchell BD, Kempermann G, Macklis JD. Adult neurogenesis and repair of the adult CNS with neural progenitors, precursors, and stem cells. Prog Neurobiol 2005;75(5):321-41.). A gênese de novos neurônios foi considerada como prevalente nos invertebrados e em vertebrados não-mamíferos como peixes, répteis e pássaros (Gage FH. Mammalian neural stem cells. Science 2000;287(5457):1433-8.). Por outro lado, a neurogênese em encéfalos de mamíferos adultos foi considerada como inexistente (Colucci-D'Amato L, Bonavita V, di Porzio U. The end of the central dogma of neurobiology: stem cells and neurogenesis in adult CNS. Neurol Sci 2006;27(4):266-70.).

A visão que prevaleceu foi a de Ramon y Cajal, de 1913, que postulava: “não são formados novos neurônios após os pássaros” (Ramon y Cajal S. Degeneration and regeneration of the nervous system. (Day RM, translator, from the 1913 Spanish edition), 1913.). Esta visão dogmática permaneceu na neurociência por quase um século (Rakic P. Adult neurogenesis in mammals: an identity crisis. J Neurosci 2002;22(3):614-8.).

O desenvolvimento das técnicas de marcação de células usando timidina radioativa, que se incorpora na replicação do DNA, identificou pela primeira vez a divisão de neurônios em cérebros de ratos adultos (Smart I. The subependymal layer of the mouse brain and its cell production as shown by radioautography after thymidine-H3 injection. J Comp Neurol 1961;116(3):325-47.). Este estudo pioneiro demonstrou pela primeira vez a ocorrência de neurogênese pós-natal no sistema nervoso central de animais adultos.

Mais tarde, estudos semelhantes identificaram a divisão de neurônios em ratos neonatos  (Altman J, Das GD. Autoradiographic and histological studies of postnatal neurogenesis. I. A longitudinal investigation of the kinetics, migration and transformation of cells incorporating tritiated thymidine in neonate rats, with special reference to postnatal neurogenesis in some brain regions. J Comp Neurol 1966;126(3):337-89.), junto dos ventrículos em pássaros cantores (Goldman SA, Nottebohm F. Neuronal production, migration, and differentiation in a vocal control nucleus of the adult female canary brain. Proc Natl Acad Sci U S A 1983;80(8):2390-4.) e também em primatas (Rakic P. Adult neurogenesis in mammals: an identity crisis. J Neurosci 2002;22(3):614-8.).

Na década de 1980, a introdução da ‘bromodeoxiuridina’ (BrdU), um análogo sintético da timidina, permitiu em combinação com imunohistoquímica e fenotipagem identificar novos neurônios no sistema nervoso central (Gratzner HG. Monoclonal antibody to 5-bromo- and 5-iododeoxyuridine: A new reagent for detection of DNA replication. Science 1982;218(4571):474-5.).

Utilizando técnicas semelhantes, em 1998, em Gotemburgo na Suécia, Eriksson et al. (Eriksson PS, Perfilieva E, Björk-Eriksson T, Alborn AM, Nordborg C, Peterson DA, Gage FH. Neurogenesis in the adult human hippocampus. Nat Med 1998;4(11):1313-7.) demonstrou pela primeira vez que novos neurônios [positivo para BrdU e marcador neuronal NeuN] foram gerados a partir da divisão de células progenitoras na zona subgranular (ZSG) do giro denteado no hipocampo de humanos adultos.

A publicação desse artigo quebrou um dogma na neurociência. Pôde-se afirmar: 'Nascem novos neurônios em humanos adultos.'

Este estudo pioneiro assim como outros semelhantes proporcionaram evidências inequívocas de que existe neurogênese pós-natal no sistema nervoso central de humanos adultos (Alvarez-Buylla A, Lim DA. For the long run: maintaining germinal niches in the adult brain. Neuron 2004;41(5):683-6., Sanai N, Tramontin AD, Quiñones-Hinojosa A, Barbaro NM, Gupta N, Kunwar S, Lawton MT, McDermott MW, Parsa AT, Manuel-García Verdugo J, Berger MS, Alvarez-Buylla A. Unique astrocyte ribbon in adult human brain contains neural stem cells but lacks chain migration. Nature 2004;427(6976):740-4., Curtis MA, Kam M, Nannmark U, Anderson MF, Axell MZ, Wikkelso C, Holtås S, van Roon-Mom WM, Björk-Eriksson T, Nordborg C, Frisén J, Dragunow M, Faull RL, Eriksson PS. Human neuroblasts migrate to the olfactory bulb via a lateral ventricular extension. Science 2007;315(5816):1243-9.).

Recentemente, foi proposto que utilizando técnicas de imagem por ressonância magnética encefálica em humanos vivos, a neurogênese pôde ser documentada (Manganas LN, Zhang X, Li Y, Hazel RD, Smith SD, Wagshul ME, Henn F, Benveniste H, Djuric PM, Enikolopov G, Maletic-Savatic M. Magnetic resonance spectroscopy identifies neural progenitor cells in the live human brain. Science 2007;318(5852):980-5.).


Células tronco neurais


Foi demonstrado que um pequeno subtipo de células localizadas na zona subventricular (ZSV) e na zona subgranular (ZSG) do sistema nervoso central (SNC) de adultos são responsáveis pela geração pós-natal de novos neurônios (Gage FH. Mammalian neural stem cells. Science 2000;287(5457):1433-8.). Estas células são conhecidas como células tronco neurais (CTN) e exibem consistente propriedade de células tronco como se auto-renovar, proliferar e se diferenciar em três linhagens como astrócitos, oligodendrócitos [em conjunto formam a glia] e neurônios (Alvarez-Buylla A, Lim DA. For the long run: maintaining germinal niches in the adult brain. Neuron 2004;41(5):683-6.).

Os neurônios são os componentes funcionais do SNC, responsáveis pelo processamento e transmissão da informação enquanto que a glia é primariamente responsável pelo suporte estrutural das primeiras, exercendo propriedade essencial para o funcionamento do SNC (Ming GL, Song H. Adult neurogenesis in the mammalian central nervous system. Annu Rev Neurosci 2005;28:223-50.).

No entanto, a identificação das CTN no SNC é difícil até mesmo nos dias atuais. 

Johansson et al. (Johansson CB, Momma S, Clarke DL, Risling M, Lendahl U, Frisén J. Identification of a neural stem cell in the adult mammalian central nervous system. Cell 1999;96(1):25-34.) proporcionou evidências que consideram as células ependimárias da superfície ventricular como CTN, enquanto Doetsch et al. (Doetsch F, Caillé I, Lim DA, García-Verdugo JM, Alvarez-Buylla A. Subventricular zone astrocytes are neural stem cells in the adult mammalian brain. Cell 1999;97(6):703-16.) identificou positividade da proteína ácida fibrilar glial (GFAP) para astrócitos entre as células da camada ependimária da ZSV como prováveis candidatas a CTN. O ponto de vista prevalente na atualidade é o de que astrócitos positivos para o GFAP são CTN (Ming GL, Song H. Adult neurogenesis in the mammalian central nervous system. Annu Rev Neurosci 2005;28:223-50.).

Recente estudo proporciou evidências que suportam o epêndima como paradigma das CTN (Coskun V, Wu H, Blanchi B, Tsao S, Kim K, Zhao J, Biancotti JC, Hutnick L, Krueger RC Jr, Fan G, de Vellis J, Sun YE. CD133+ neural stem cells in the ependyma of mammalian postnatal forebrain. Proc Natl Acad Sci USA 2008;105(3):1026-31.), mas a discussão ainda continua.

Há cerca de vinte anos, as CTN foram isoladas pela primeira vez no estriado de ratos (Reynolds BA, Weiss S. Generation of neurons and astrocytes from isolated cells of the adult mammalian central nervous system. Science 1992;255(5052):1707-10.). Posteriormente, CTN similares foram isoladas na parede dos ventrículos (Morshead CM, Reynolds BA, Craig CG, McBurney MW, Staines WA, Morassutti D, Weiss S, van der Kooy D. Neural stem cells in the adult mammalian forebrain: a relatively quiescent subpopulation of subependymal cells. Neuron 1994;13(5):1071-82.) e no hipocampo de adultos humanos (Kukekov VG, Laywell ED, Suslov O, Davies K, Scheffler B, Thomas LB, O'Brien TF, Kusakabe M, Steindler DA. Multipotent stem/progenitor cells with similar properties arise from two neurogenic regions of adult human brain. Exp Neurol 1999;156(2):333-44.).

Quando crescem em um meio de cultura definido, consistindo de figuras mitóticas expressando fator de crescimento epidérmico (EGF) e fator de crescimento fibroblástico básico (bFGF), as CTN exibem auto-renovação e proliferação gerando esferas multicelulares que flutuam livremente, chamadas de neuro-esferas (Gottlieb DI. Large-scale sources of neural stem cells. Annu Rev Neurosci 2002;25:381-407.). A análise das neuro-esfera é atualmente o padrão in vitro para determinar a presença de CTN (Reynolds BA, Weiss S. Generation of neurons and astrocytes from isolated cells of the adult mammalian central nervous system. Science 1992;255(5052):1707-10.).

Um dos fatores utilizados para visibilizar as figuras de mitose ou expor as CTN é o ácido retinóico (Jang YK, Park JJ, Lee MC, Yoon BH, Yang YS, Yang SE, Kim SU. Retinoic acid-mediated induction of neurons and glial cells from human umbilical cord-derived hematopoietic stem cells. J Neurosci Res 2004;75(4):573-84., Kim M, Habiba A, Doherty JM, Mills JC, Mercer RW, Huettner JE. Regulation of mouse embryonic stem cell neural differentiation by retinoic acid. Dev Biol 2009;328(2):456-71.). Ele induz as CTN a se diferenciar em neurônios e glia (Gage FH. Mammalian neural stem cells. Science 2000;287(5457):1433-8.). Esta visibilização tem sido demonstrada in vitro (Moe MC, Varghese M, Danilov AI, Westerlund U, Ramm-Pettersen J, Brundin L, Svensson M, Berg-Johnsen J, Langmoen IA. Multipotent progenitor cells from the adult human brain: neurophysiological differentiation to mature neurons. Brain 2005;128(Pt 9):2189-99.) e in vivo (Olstorn H, Moe MC, Røste GK, Bueters T, Langmoen IA. Transplantation of stem cells from the adult human brain to the adult rat brain. Neurosurgery 2007;60(6):1089-99.).

Outra questão polêmica se refere a discrepância entre a morfologia das células diferenciadas e seu perfil funcional (Ming GL, Song H. Adult neurogenesis in the mammalian central nervous system. Annu Rev Neurosci 2005;28:223-50., Moe MC, Varghese M, Danilov AI, Westerlund U, Ramm-Pettersen J, Brundin L, Svensson M, Berg-Johnsen J, Langmoen IA. Multipotent progenitor cells from the adult human brain: neurophysiological differentiation to mature neurons. Brain 2005;128(Pt 9):2189-99.). De fato, estudos tem demonstrado que a morfologia e a imunohistoquímica não são necessariamente preditivos das propriedades fisiológicas de uma célula (Ming GL, Song H. Adult neurogenesis in the mammalian central nervous system. Annu Rev Neurosci 2005;28:223-50.).

Na medula espinal, inúmeros esforços foram tentados para demonstrar a ocorrência de neurogênese. 

O pesquisador, Jonas Frisén, do Instituto Karolinska, na Suécia demonstrou pela primeira vez, em 1995, a existência de uma população de células progenitoras na região que circunda o canal central da medula espinal. Este estudo experimental realizado em ratos Wistar foi o primeiro a demonstrar proliferação celular na medula espinal (Frisén J, Johansson CB, Török C, Risling M, Lendahl U. Rapid, widespread, and longlasting induction of nestin contributes to the generation of glial scar tissue after CNS injury. J Cell Biol 1995;131(2):453-64.), corroborando a idéia mencionada acima.

Enfim, felizmente nascem novos neurônios!

Nenhum comentário:

Postar um comentário